Filme mostra faces do diretor que não
separa a vida da criação artística
Vida e arte
se misturam. Como se pudessem ser, de fato, uma coisa só. Concebido como um
perfil de José Celso Martinez Corrêa, o documentário Evoé! Retrato de Um
Antropófago captura um percurso que não concebe separações entre o que se
passa dentro e fora do palco.
Dirigido
por Tadeu Jungle e Elaine Cesar, o filme que chega às salas no dia 22 consumiu
mais de quatro anos entre gravações e pesquisas. E elegeu o encenador do Teatro
Oficina como narrador de sua própria história.
Nessa
estrutura, o foco não recai sobre a intimidade ou a trajetória artística de Zé
Celso. Mas sobre aquilo que poderia ser visto como um amálgama dessas duas
categorias. Criado a partir da série Iconoclássicos, organizada pelo
Itaú Cultural, o filme não elenca datas nem oferece muitas informações sobre os
outros personagens que fizeram parte dessa trajetória. "Optamos por uma
estrutura fragmentária. Não citamos nomes, datas", observa Tadeu Jungle.
Será assim que figuras como Pascoal da Conceição, Maria Alice Vergueiro, Bete
Coelho e até mesmo Silvio Santos atravessam a tela de relance, sem merecer
legendas ou explicações.
Condutor
absoluto da câmera, Zé Celso oferece uma espécie de súmula de seu pensamento:
costura política, cultura, religião, drogas, amor. Em meio a tudo isso, lança
pistas de como se tornou quem é. "Durante muito tempo eu fui um chato, um
oprimido", comenta. "Só vivia reclamando". Além de defender
visões pouco ortodoxas sobre a história recente do País. "A revolução
recente mais importante do Brasil não foi a guerrilha armada. Foi o
desbunde."
Ao longo de
décadas, Zé Celso acumulou um extenso acervo sobre si mesmo. Programas de TV,
imagens de suas peças, gravações que ele fez de episódios corriqueiros, quase
banais. "Desde 1983, ele tem uma câmera dentro de casa, registrando
tudo", comenta Elaine Cesar. A esse material de arquivo somaram-se
entrevistas realizadas em algumas locações estratégicas: a Grécia, o sertão da
Bahia, a praia de Alagoas onde o Bispo Sardinha foi devorado, o bairro
paulistano do Bexiga. São lugares que ajudam a desvendar uma intrincada
personalidade, além de evocar referências marcantes na sua obra, caso de Oswald
de Andrade, Euclides da Cunha e do deus Dionísio. "Além disso, quando você
faz essas viagens, também se abre para o imprevisto", considera Jungle.
Com Zé
Celso, aliás, o imprevisível parece ser a regra. Em uma cena, gravada no mítico
anfiteatro de Epidauro, ele demonstra sua incapacidade de seguir roteiros ou
regras preestabelecidas. "Como não tínhamos autorização para gravar, o
combinado é que ele apenas se deixasse filmar por uma câmera escondida",
lembra Jungle. Zé Celso, porém, insiste em cantar. E acaba expulso do espaço
por um segurança. Em outra passagem, dependura-se sobre um penhasco e recusa-se
a sair de lá. "Eu sou louco, sou palhaço, sou livre", lembra o
diretor do Oficina, aos 74 anos.
Tantas
idiossincrasias ajudam a compor um retrato que escapa da reverência. Não é
possível negar quão fascinantes podem ser algumas das ideias do protagonista.
Nem tampouco compactuar com todas as suas posições. Fica evidente que o homem
que defende o afeto pelo outro como valor máximo só faz aquilo que quer.
"Ele não é irreverente, é consequente", considera Jungle.
As cenas nos
fazem chegar mais perto desse homem que fez de si mesmo um personagem. De seu
discurso escapam contradições, imperfeições. Lampejos de claridade e escuridão,
afeição e truculência. "Durante a minha vida inteira, eu nunca fiz nada
que eu não gostasse", declara Zé Celso. "E isso me deu muito
trabalho."
'EVOÉ - RETRATO DE UM ANTROPÓFAGODireção: Tadeu Jungle e Elaine Cesar (Brasil/ 2011, 104 minutos)
Fonte: Jornal "O Estado de São Paulo", 9 de novembro de 2011 (Cardeno 2)
Nenhum comentário:
Postar um comentário